Desporto
Ao longo dos últimos 4 anos temos mantido esta coluna mensal, onde temos vindo a analisar questões ligadas à temática do desporto, abordando-as nas suas diversas variantes: desporto a nível local e regional, mas também a nível nacional e internacional; desporto praticado na escola e fora da escola, designadamente nos clubes desportivos; os agentes desportivos, sejam treinadores, dirigentes desportivos, dirigentes políticos e atletas; algumas das diversas modalidades desportivas; o desenvolvimento desportivo e os eventos desportivos; o rendimento desportivo e o desporto de lazer; a atividade física infantil e a atividade física para a população ativa e populações seniores.
Em todas estas abordagens, ressalta um objetivo comum: tornar mais compreensível o fenómeno desportivo e ver como ele pode contribuir para o desenvolvimento humano e social, ocupando um lugar central nas sociedades contemporâneas. É nesta lógica que, neste breve artigo, iremos analisar a Educação Física escolar.
A Educação Física escolar (EF)
O artigo 79º da Constituição da República Portuguesa refere que: “1-Todos têm direito à cultura física e ao desporto e 2-Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas, e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto”.
Relativamente a crianças e jovens, é à escola que compete o cumprimento deste preceito constitucional e fá-lo de duas formas: através do Desporto Escolar e através da Educação Física e será esta última que iremos analisar.
A EF como disciplina consta do currículo do sistema escolar português desde finais do século XIX surgindo sempre como atividade desvalorizada relativamente às disciplinas “teóricas”, essas sim, consideradas importantes. Atualmente a situação é bem diferente e a EF e o Português são as únicas disciplinas que acompanham o aluno desde o 1º ao 12º ano, o que é revelador do seu valor educativo e das suas especificidades.
À EF compete promover a aquisição da aptidão física (formação corporal e desenvolvimento funcional), promover a estruturação do comportamento motor (domínio das condutas motoras conducentes à eficiência) e a formação de uma cultura física (ou seja, aprendizagem de desportos).
A EF surge como mais uma disciplina escolar, sujeita às mesmas regras das outras, com objetivos, critérios de sucesso e avaliação. Diremos que está totalmente estruturada em moldes didáticos e é levada “a sério” por alunos, pais e pelos professores e ninguém contesta o seu valor educativo. No entanto, perdeu o seu encanto por lhe ter sido retirado o seu caráter lúdico, um espaço de liberdade, de fruição, de interação e de “encantamento”, que lhe era próprio há décadas atrás, em que a grande maioria dos alunos, de todas as idades, sentia um verdadeiro prazer nas aulas de EF.
Hoje, não é assim, para a grande maioria dos jovens: é uma disciplina que se frequenta por obrigação, com um reduzido prazer e de que se libertam definitivamente com o final da escolaridade.
Não nos esqueçamos que Portugal tem a mais baixa taxa de participação desportiva de toda a Europa e pode perguntar-se: a escola cumpriu a sua função de “trazer” os jovens para a prática desportiva na idade adulta? A escola tem, ou não tem, culpa desta situação (do sedentarismo adulto)?
Quanto a mim SIM, tem culpas, mas há outros com tantas ou mais culpas do que a Escola…
Um novo paradigma
Concordo com as opiniões de grandes especialistas como os Professores José Manuel Constantino e Gustavo Pires (consultar: “Desporto português, do estado do problema ao problema do Estado”, e “A EF em Portugal deve mudar de paradigma”, in https://apagina.pt) quando afirmam que “a EF praticada hoje nas escolas está desatualizada e já deveria ter mudado de paradigma” e “..se há razões para admitir que o modelo desportivo está esgotado, há que reconhecer que se fica a dever, em grande parte, às lacunas organizativas da prática da EF no seio da escola”.
De facto, o programa da EF, sobretudo após o 2º ciclo, não corresponde às necessidades e motivações sentidas pelos jovens, de terem uma verdadeira educação desportiva. Não faz sentido considerar a EF igual à Matemática ou ao Inglês (estruturando-as de uma forma exageradamente didática), retirando ao Desporto a sua verdadeira essência.
A EF não deve precisar “da nota, da classificação” como “travão” e forma motivacional que obrigue ao empenhamento dos alunos; pelo contrário deverá ser a riqueza intrínseca da atividade a proporcionar esse empenhamento.
A escola tem de organizar, no seu interior, um modelo desportivo de quadros competitivos, de atividades formais e informais enquadradas no mundo do desporto e que projetem essas atividades para a vida. A par disto, tem de valorizar 2 princípios fundamentais da educação: o da generalização (preparar os alunos para o lazer ativo, no futuro) e o da especialização numa dada modalidade.
Se até ao 7º/8º ano se exige uma educação eclética e variada, a partir daí exige-se a procura da especialização numa dada modalidade, sendo claro que para ter alunos especializados, terão de existir professores especializados, que se dediquem seriamente e continuadamente a uma modalidade. Mas, paralelamente, terão de se preparar todos os nossos jovens para a ocupação do seu tempo de lazer de uma forma ativa e interventiva, onde a atividade física e desportiva esteja presente.
Em síntese
A atual abordagem da EF (sobretudo após o 7º/8º ano) está desatualizada e ultrapassada, devendo ser reconfigurada em termos de futuro e ocupar outros espaços (espaços fora da escola) e outros tempos (fora dos horários escolares, por exemplo, nas férias) e não insistir em modelos burocráticos, com lógicas semelhantes às de outras disciplinas.
Paulo Branco