EDITORIAL

Alimentação sem prazo de validade

EDITORIAL
Uma ida ao supermercado, nos dias que correm, pode ser uma verdadeira aventura para o cérebro humano. E para o coração. Porque se é difícil encaixar no orçamento semanal (ou mensal) todas as compras que seriam necessárias para alimentar o agregado familiar, mais difícil é não ter uma arritmia ao ver uma garrafa de azeite marcada, no mínimo, com um preço de sete euros.
Há contas, comparações de preços, e mais contas, a fazer enquanto se percorrem os corredores das grandes ou das pequenas superfícies, que estão apinhados de produtos que nem sempre podem entrar no nosso cesto e ir morar connosco para casa. E a tarefa torna-se mais árdua ainda quando falamos de alimentação dita “saudável”. Quanto mais “limpas” quisermos que sejam as nossas refeições, mais o preço da fatura sobe. Problema disto tudo: não é uma piada, é uma triste realidade, da qual não se vislumbra um fim à vista.
Parece-me cada vez mais longe o dia em que todos os portugueses se vão poder alimentar com dignidade, todos os dias. Que não possam só comprar carne, peixe e produtos frescos nos dias que se seguem ao pagamento do ordenado e que não passem a segunda metade do mês a juntar salsichas ou atum em lata a um punhado de massa. Imagino uma realidade justa, uma espécie de “alimentação sem prazo de validade”, uma alimentação que não fosse prejudicada pelo ápice do esvaziamento da conta bancária. Só que esse dia parece, cada vez mais, inalcançável.
À boleia da constatação das dificuldades crescentes das famílias, algumas instituições de solidariedade e autarquias têm reforçado os apoios a quem deles necessita – sendo que temo que qualquer dia a questão seja “quem é que não necessita?”. É o caso da Câmara de Vagos, que, no final deste mês de outubro, anunciou o programa municipal “Alimentar+”, uma iniciativa que prevê a atribuição de um cartão de compras aos agregados familiares que dele necessitem – mediante avaliação prévia do Serviço de Acompanhamento e Ação Social, que determinará o montante e a frequência do apoio.
Arrisco-me a dizer que será uma boa ajuda, mas que, infelizmente, não vai sanar o problema. E com isso não retiro o mérito ao programa, que o tem (muito). Entendo, apenas, que enquanto os preços dos alimentos não baixarem, ou os salários não subirem, uma boa alimentação é algo que vai continuar a não estar acessível a todos.
Salomé Filipe
Diretora do Jornal

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