OPINIÃO

Na Senda de um Mundo Melhor

Pe. Georgino Rocha in memoriam

Bertold Brecht, poeta e dramaturgo alemão que viveu na primeira metade do séc. XX, escreveu: “homens que lutam a vida toda, estes, são imprescindíveis”. Assim era o Pe. Georgino Rocha e, com o seu desaparecimento físico, estou certo que far-nos-á muita falta.
O Pe. Georgino Rocha nasceu no lugar da Choca do Mar, em Calvão, de onde é originária a minha família paterna. Aliás, apesar de não nos ligarem “laços de sangue”, a sua proximidade a todos os Carvalhais (os “Ramalhos”), na condição de vizinho e, sobretudo, de amigo, fez com que eu sempre o sentisse “como família”. Isso significa que os quase 40 anos de amizade (conhecemo-nos quando eu, ainda criança, vivia no Alentejo), coroados pela generosidade de ter presidido ao meu casamento, e os inúmeros projetos em que fomos companheiros (do Secretariado das Missões à Comissão Justiça e Paz), são impossíveis de serem traduzidos nestas escassas linhas
Vou, por isso, realçar três tónicas que comprovam a incomum envergadura humanista cristã deste amigo que nos deixou, fisicamente, a 9 de maio: o seu apego à terra-natal, o afeto pela região onde habitava, o Amor pelo Mundo, Criação Divina que tanto defendeu.
Começo pela sua ligação umbilical às areias de Calvão. Sempre o escutei falar da sua aldeia, com um salutar orgulho calvoense, em especial do lugar da Choca do Mar. Ainda em vida do seu irmão, o também saudoso Pe. Doutor Filipe Rocha, encontrei-os amiúde entre o canto dos “Moicos” e dos “Ramalhos”, caminhando e conversando no percurso que mediava o “Ergueiro” e a “Ramalhim”. Admirava-os, na sua cumplicidade fraterna e na ânsia de ambos por conhecer e pensar. Com eles, e com o primo que temos em comum, Pe. Manuel Carvalhais, aprendi a entender a severidade da vida gandaresa, no geral, e dos gelfeiros, em particular. O Pe. Georgino curvava-se, respeitosamente, à resiliência destas populações arneiras. Destacava-a, sempre que podia e nela bebia inspiração para o seu pensamento pastoral. Se dúvidas houvesse, basta ler algumas páginas do seu livro Rostos de Misericórdia para constatarmos como era profunda a sua admiração pelas gentes de Calvão e arredores.
Isto leva-nos a outra dimensão do Pe. Georgino Rocha: a dimensão regional. Na verdade, as terras da Beira Litoral, com especial realce para a zona entre o Vouga e o Mondego, puderam beneficiar notavelmente com os conhecimentos e o testemunho deste sacerdote iluminado. Tal não se consubstanciava meramente na sua condição de professor, pedagogo e presbítero com responsabilidades educativas e formativas nos seminaristas, candidatos ao diaconado e lideranças laicais. Se é certo que nos lembramos dele como docente no Instituto Superior de Estudos Teológicos (ISET), em Coimbra ou no Instituto Superior de Ciências Religiosas (ISCRA), em Aveiro não é menos verdade que a sua Diocese de Aveiro e as dioceses vizinhas (Coimbra, Viseu, Leiria-Fátima, Guarda e Portalegre-Castelo Branco) muito lhe ficam a dever pelo seu contributo de reflexão e orientação pastoral. Várias vezes percorro recantos das dioceses do Centro de Portugal e sempre tenho encontrado sacerdotes, religiosos(as) e líderes de pastoral formados pelo Pe. Georgino. De facto, o homem que personificava “A Alegria da Missão na sociedade secularizada”, terá de ser, inevitavelmente, recordado quando se fizer referência ao Congresso dos Leigos de 1988, ao II Sínodo Diocesano de Aveiro 1990-1995 ou à Missão Jubilar 2013 e, mais recentemente, ao Sínodo 2021-2023. Só para mencionar alguns acontecimentos com incidência regional.
Deixo, contudo, para o final a dimensão mais católica (universal) do Pe. Georgino Rocha: a grande dimensão missionária. Era ainda bem jovem quando resolveu contar aos seus pais que queria ser missionário. O Espírito de Deus soprava-lhe ao ouvido e estimulava-o a ir ao encontro dos homens e mulheres seus irmãos, pelo mundo fora. E se a sua ordenação presbiteral aconteceu no seio da Igreja diocesana de Aveiro, ao invés de qualquer instituto missionário Ad Gentes, não é menos verdade que a sua incardinação diocesana nunca o impediu de partir para as fronteiras da Missão. Um verdadeiro Missionário Ad Extra et Ad Vitam. Profundamente inspirado na eclesiologia latino-americana pós-conciliar, partilhada em tantos encontros do Movimento por um Mundo Melhor, do qual foi um dos grandes militantes portugueses, as grandes imersões missionárias foram concretizadas, principalmente, nos países africanos de Língua oficial Portuguesa, com particular destaque para as Missões em Angola. Para se comprovar esta dimensão missionária, aconselho, a título de exemplo, a leitura dos dois volumes de Sementes de Paz. Angola, no pós-guerra civil, sedenta de Paz, Justiça e Esperança, cativou o Pe. Georgino que ali se deslocou várias vezes, semeando os valores da Boa Nova e concretizando o Reino do Amor de que nos fala o Evangelho. São relatos extraordinariamente vívidos de como fazer pastoral junto dos mais excluídos, vítimas da guerra e da injustiça. Era o sacerdote, tocado por Cristo, a contribuir de forma decisiva para a construção de uma sociedade mais humana, ali “nas periferias”, como mais tarde lhe chamaria o Papa Francisco.
Termino, não sem antes fazer referência à necessidade de (re)conhecer o Pe. Georgino Rocha, na sua vida e obra. O menino nascido nas areias gandaresas, filho do ti Claudino e da ti Evangelina, que se fez padre, e despendeu a vida numa doação constante ao Ser Humano, na defesa da Integridade da Criação. Cultivou Sementes de Paz, iluminou Clarões de Esperança, ao Serviço da Fé, na Sociedade Plural, revelou-nos Rostos de Misericórdia e impeliu-nos a Crescer na Fé e Anunciar a Alegria do Evangelho, sendo Igreja Sinodal que permita Humanizar a Sociedade. Assim será lembrado, como caminhante incansável na senda de um Mundo Melhor.

Jorge Carvalhais
Professor no Colégio de Calvão

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