OPINIÃO

Portugal e a imigração

É do conhecimento geral que o berço da espécie humana foi o continente africano, de onde os primeiros migrantes intercontinentais saíram para o lento e inexorável processo de colonização global. Ao longo da história, o processo migratório, iniciado pelos nossos ancestrais e continuado através de sucessivas gerações, foi uma constante para indivíduos, clãs, tribos, nações e impérios que procuraram novos territórios com recursos mais abundantes ou fugiram dos já habitados, quando a natureza ou as vizinhanças impunham a sua fúria. Em pleno século XXI esse movimento continua e assistimos diariamente às notícias daqueles que abandonam o local de nascimento para ousar encontrar em terras distantes as condições de vida que o berço não lhes proporciona.

A própria história de Portugal é prolixa em fluxos migratórios: desde a época dos descobrimentos, que permitiu à nossa língua estar hoje presente em tantas latitudes e longitudes, até às migrações clandestinas do século passado para França e outros destinos na fuga da miséria de um país agrilhoado por uma ditadura, à realidade atual de tantos jovens qualificados a quem o solo nacional não dá resposta para as legítimas aspirações de uma vida estável e próspera.

Assistimos, porém, nas últimas décadas, ao fenómeno inverso, em que Portugal passou a ser destino eleito de tantos, oriundos dos mais diversos países. Trata-se de uma mudança significativa, à qual parte da sociedade reage com desconfiança e mesmo agressividade, e com o aproveitamento político a ser feito sempre pelos que recorrentemente elevam o conceito de pátria a um patamar superior ao de humanidade. No entanto, os últimos censos são perentórios nas conclusões à análise da demografia: falta de renovação geracional, aumento da esperança de vida e do número de idosos, redução da população jovem e ativa, etc. Nos últimos 10 anos a população portuguesa reduziu em mais de 200.000 pessoas!

Recentemente, um incêndio num prédio em Lisboa catapultou para os noticiários um problema social premente, o do acolhimento e integração dos imigrantes, cujo aumento, a par do da natalidade, são os únicos antídotos para inverter o nosso declínio populacional. Esse infeliz acontecimento, do qual resultaram 2 mortos e 14 feridos, revelou, para incredulidade de alguns, que 22 pessoas viviam, sem quaisquer condições de dignidade, amontoadas num rés do chão, e pagavam 150 euros cada apenas por uma cama.

Relembre-se, entretanto, o preconizado na Declaração Universal do Direitos Humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” Porém, ainda há muitos que continuam a explorar os semelhantes e outros a espalhar rastilhos de preconceito e medo, as sementes do ódio. Há quem continuamente se aproveite da precariedade alheia para ter mão-de-obra barata e os que são verdadeiros pirómanos da causa anti-imigrantes e anti-refugiados, reproduzindo todo o tipo de chorrilhos repletos de intolerância, nacionalismo bacoco ou pura demagogia. E, naturalmente, isso exige um posicionamento firme por parte de quem ainda conserva o bom senso. O assunto não tem solução fácil, mas a mão pesada da justiça para quem lucra com a exploração e contratação ilegal, bem como a consciencialização da população sobre a nossa realidade demográfica, são fundamentais. Uma sociedade que compactua com o despojamento da dignidade de alguém não pode ser uma sociedade saudável e com futuro.

Paulo Ricardo Moreira

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