EFEMÉRIDE
BERARDO PINTO CAMELO foi um génio e uma figura «invulgar e indiscutível da cultura musical», nomeadamente em Vagos, onde terá influenciado «várias gerações de executantes», como assinala o livro dos 150 anos de música da Filarmónica Vaguense.
Nasceu em Vagos em 1866, e sendo oriundo de uma família de músicos, cedo viria a notabilizar-se como executante de cornetim. Foi regente da Banda Vaguense, entre 1901 a 1906, e posteriormente de 1936 a 1943, ano em que faleceu. Passou, ainda, pelas bandas da Vista Alegre, Anadia, e foi um dos fundadores da Música Nova de Mira. Em 1933 musicou e dirigiu, em Vagos, a orquestra da revista infantil, a que foi dado o nome de «A Nossa Escola». Constituída somente por crianças da vila, os ensaios eram realizados na moradia de «Mestre» Berardo (como gostava de ser chamado), e mais tarde no antigo salão da Banda Vaguense.
Viria a estrear-se a 8 de dezembro, no Teatro Municipal de Ílhavo, tendo sido realizadas «mais de 30 representações», em várias localidades, na região e do país. A fama da «companhia» rapidamente chegou ao Porto, que acabaria por ser convidada, para a inauguração do Teatro Infantil do Palácio de Cristal. O anúncio foi publicado a 31 de julho de 1938, no Jornal de Notícias, que referia ser de 1$50 o custo da entrada.
Do grupo de crianças faziam parte, entre outros, Amélia Cunha, Celeste Rufina, Maria dos Prazeres (Bia), Benilde, Maria Amélia, José António Costa Ferro (Venâncio), Manuel Francisco Sarabando, José Mouro (Grilo), Laura Leite, Maria Natália Sérgio Rocha (Mariazinha) e Ramiro Leite. Faziam parte da orquestra os seguintes músicos: João Marques Ramalheira, Alexandre Gravato e Narciso Gravato (violino), Duarte Gravato (flauta), José Vidal (cornetim), Gumersindo Gonçalves (clarinete), João Alves e António Palhetas (saxofone), João Graça e Joaquim Pinto (trombone), Júlio Silva (rabecão), Henrique Rato e Armindo Pimentel (bateria).
AUTO DAS ROMARIAS. A representação, em 2 atos e 12 quadros, tinha crianças a cantar, com destaque, entre alguns sucessos, «A minha amiguinha», «Os malmequeres» e “Os grilinhos». O espetáculo terminava com a peça «Auto das Romarias», que comportava a «simulação da subida ao céu de Nossa Senhora de Vagos». Segundo testemunho de uma participante, tinha «lindos caracóis e as feições de Nossa Senhora», a pequena Maria Amélia, viria a ser escolhida, pelo maestro, para representar o principal papel – seria elevada lentamente por dois adultos, ao mesmo tempo que as outras crianças, ajoelhadas e de mãos erguidas, cantavam em coro.
A cobertura do espetáculo foi feita por aquele jornal, que reconhecia tratar-se «de um curioso e gracioso agrupamento musical, constituído por artistas de palmo e meio, desde o maestro até ao mais modesto dos seus executantes. Vestidos a caráter, e cumprindo o rigor as exigências da pauta, estes pequeninos músicos, talvez futuras celebridades, foram a revelação da tarde».
Para a história ficou o que sucedeu na Costa Nova, quando decorria a representação do derradeiro quadro: face ao brilhantismo dos artistas de palmo e meio a assistência começou a lançar rebuçados para o palco, precisamente quando a pequena Maria Amélia estava a ser elevada ao céu. Decidida, mas atenta, acabaria por «saltar prontamente» para o tablado, para não ficar sem as guloseimas… Tal atitude provocou alguma atrapalhação, que foi rapidamente dissimulada com estrondoso aplauso do público.
Eduardo Jaques