Tenho estado cada vez mais angustiada com o facto de me aperceber que a nossa cabeça nos pode pregar rasteiras e nos tornar no que não somos e não desejamos ser.
O “avô Joaquim” dizia que “se sabia não tinha querido ser velho”. Dou-lhe razão. Cada dia que passa e nos enriquece de experiências e ensinamentos, mas também nos rouba capacidades e autonomia, nos deixa num ser diferente daquele que fomos construindo e que deixámos conviver com os demais. Habituamo-nos aos cabelos brancos, às queixas das dores que o corpo vai denunciando, à repetição de histórias…mas quando os comportamentos se alteram e temos que acolher uma pessoa nova, diferente…isso custa.
A pandemia presenteou-nos com isolamento e solidão involuntária, mas que nos foi privando de abraços e atenções próximas. A família esteve mais à janela, a escola esteve mais ao monitor, as amizades estiveram no ecrã dos telemóveis e até os beijos dos namorados, não raras vezes, foram virtuais. Acho que, mesmo não nos tendo livrado ainda do maldito vírus, começamos agora a pagar uma fatura altíssima de consequências em termos da nossa saúde mental.
Odiei o teletrabalho quase tanto quanto a prisão que dei à minha mãe para a livrar do bicho. Mas e agora, como podemos compensar o que se perdeu? O que não vimos e não fizemos, as experiências que não tivemos e as conversas de rua que deixámos de ter?
Parece que estivemos todos numa bolha, aterrorizados com o desconhecido e que esse longo período nos foi furtado. Assusta pensar nas crianças que nasceram nesse período e que não conheceram família nem amigos. Todos quantos acompanhámos à sua morada final e a quem não pudemos abraçar nem deixar que nos abraçassem. Parece que aquele tempo surreal em que estávamos proibidos de sair de casa ou do concelho foi apenas a escrita de guião para um filme de ficção.
Se eu, que voltei ao “corre corre normal”, sinto que perdi vida e estive assustada, como estarão aqueles que sequestrámos em casa, nas Instituições e que não permitimos que vivessem para além da bolha? E como estarão aqueles que viviam aterrorizados com a possibilidade de transmitir o vírus ao terem que trabalhar diretamente com os mais vulneráveis, mas que, mesmo assim, mantinham a sua vida pessoal? Temos cuidado uns dos outros? Temos reconhecido a importância da saúde mental?
Os miúdos…para além do que não conviveram, não brincaram… o que não aprenderam, o que passou como tendo sido feito e não foi aprendido. Esta malta fantástica que apresenta agora lacunas na aprendizagem, tomámos conta? Como educadores exigimos situação específica para problema específico?
Confesso, estou amedrontada. Odeio o olhar perdido dos miúdos que sentem que perderam o comboio numa qualquer estação. Odeio a baralhação instaurada nas cabeças e a impotência de as reorganizar. Odeia a solidão e as consequências mentais que dela advém.
É muito triste quando a mente nos trai e nos deixa perdidos no meio de um imenso deserto. Saibamos todos estar alerta, acompanhar para o devido apoio minorando as sequelas. O Projeto Memorizar da Santa Casa da Misericórdia de Vagos pode ajudar no diagnóstico, acompanhamento ou encaminhamento das situações.
Agarremos bem as cabeças e não deixemos que elas fujam para muito longe.
Teresa Gaspar
Mesária