OPINIÃO

Sobre Camilo Castelo Banco e os 200 anos do seu nascimento

Cantinho de João Ferreira

Ora vamos escrever algo acerca dos duzentos anos do nascimento de Camilo Castelo Branco, cumpridos a 16 de março do presente ano. Nascido em Lisboa e filho de Manuel Botelho, chegou a ser amante de Ana Augusta Plácido antes de se casar com a mesma. Praticante de adultério, entregou-se na cadeia da Relação do Porto, local que o veria escrever numa quinzena o “Amor de Perdição”. Era eu uma criança de 11 anos quando comecei a ler o dito romance e ainda hoje o sei quase todo de cor. Mais tarde, e como esse crime não se pratica a sós, Ana Augusta Plácido também esteve presa na mesma cadeia. Ora bem, segundo o próprio autor, os quinze dias que esteve encarcerado foram os mais tormentosos da sua existência.
O seu romance, “Amor de Perdição” rodou em três filmes diferentes: o primeiro, em cinema mudo; o segundo, a preto e branco; e o terceiro e último, já a cores. Da segunda versão deste filme tenho a ressalvar que teve por realizador António Lopes Ribeiro; a terceira, no entanto, foi realizada já por Manoel de Oliveira, personalidade que morreu faz algum tempo com 103 anos. Tenho acompanhado em vários jornais as críticas dos estudiosos da obra deste tão caro prosador, nenhum deles parece saber porém certas coisas que comigo tenho. Na televisão houve uma séria da vida do mesmo, filmada no Porto, cuja última interação relato aqui: “Camilo” pediu à esposa que acompanhasse o doutor proveniente de Aveiro à porta (o mesmo lhe havia dito que devia ditar à esposa por força de já não poder escrever sozinho, cego que estava). Durante a curta escolta pela esposa “Aninhas” ao doutor já de saída, “Camilo” suicidou-se com um disparo de pistola no parietal direito.
Esses que leio, versando em revistas e jornais vários, sobre Camilo e a sua obra, parecem esquecer dados de relevo que eu memorizei faz tempo (muito esquece a quem não sabe). Esquecem que a Rádio e Televisão Portuguesa, também conhecido por “Primeiro Canal”, transmitiu não só a acima referida novela biográfica, mas também as novelas “Ricardina e Marta” e “Viúva do Enforcado”, ambas extraídas de romances de Camilo Castelo Branco. Possuo também um livro que foi escrito por um monsenhor, de título: “Camilo, tal e qual”. Nesse pequeno exemplar pode encontrar-se um poema de Camilo, dedicado à morte dos filhos do primeiro Presidente da República, Teófilo Braga: “A maior dor humana”. Esse poema foi já traduzido e publicado em cinco línguas diferentes da sua versão original e portuguesa, que aqui cito:
“Que immensas agonias se formaram / Sob os olhos de Deus! Sinistra hora / Em que o homem surgiu! Que negra aurora, / Que amargas condições o escravisaram! // As mãos, que um filho amado amortalharam, / Erguidas buscam Deus. A Fé implora. / E o céo que respondeu? As mãos baixaram / Para abraçar a filha morta agora. // Depois, um pai que em trevas vai sonhando, / E apalpa as sombras d’elles onde os viu / Nascer, florir, morrer!… / Desastre infando! // Ao teu abysmo, pai, não vão confortos, / És coração que a dor impedreniu, / Sepulchro vivo de dois filhos mortos.”
Com o primeiro Presidente da República, Camilo discutiu em várias ocasiões sobre literatura. Em certa altura até referiu que o presidente era também Manuel Joaquim, visto o mesmo parecer querer escamotear essa parte do próprio nome. Assim aponto que o próprio Camilo diz que “A maior dor humana” já estava escrita antes de ser pedida a dedicatória. A foto escolhida para adornar este artigo é de uma estátua no Porto, do busto de Camilo. Muito caro me é este autor, e assim muito mais haveria a versar, mas por ora fica a despedida deste que leu e aprendeu com o monumento que foi Camilo.

João dos Santos Ferreira

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