Desporto
Publicámos nesta coluna, em janeiro de 2023, a propósito da vinda de Roger Schmidt para o Benfica, uma reflexão sobre a função de treinador de desporto, a sua formação e o seu contributo para o desenvolvimento desportivo, seja na formação, seja na alta ou média competição.
Iremos agora prolongar essa reflexão a propósito do treinador Rúben Amorim, desde o início da sua carreira no Sporting, até à sua recente transferência para o Manchester United, um clube histórico do Futebol europeu.
Ruben Amorim chegou ao Sporting em março de 2020, sem o nível IV de treinador, com uma curta experiência na Liga (8 jogos pelo Sporting de Braga), encontrando um clube em profunda crise e em lento processo de recuperação, após a desastrada experiência de Bruno de Carvalho como Presidente da Direção. Por outro lado, durante os 16 meses da presidência de Frederico Varandas, tinham passado pelo clube 5 treinadores (Peseiro, Tiago Fernandes, Marcel Kayser, Leonel Pontes e Silas, todos com pouco ou nenhum sucesso) e a empresa Auditora que certificava as contas da Sporting SAD questionava não só a sua viabilidade financeira, como o seu próprio futuro. Por outras palavras: era a própria sobrevivência do Futebol do Sporting que estava em sério risco, com capitais próprios negativos e em ameaça de extinção.
Hoje (Fonte: Relatório e Contas de 2023/24) a situação é totalmente diferente: Capitais próprios positivos de 21 milhões de €; volume de negócios de 246,7 milhões € (o maior de sempre), lucros de 12,1 milhões € (nos últimos 5 anos, 4 com resultados positivos); valor do plantel 448 milhões € (era de 248 milhões em 2023, quase duplicou – Fonte: Transfermark); grande adesão de crianças e de jovens; maior número de sempre de sócios pagantes; Estádio com assistências médias superiores a 90%, receitas elevadas da venda de jogadores (Palhinha, Nuno Mendes, Porro, Matheus Nunes, Ugarte, Matheus Fernandes, os principais) etc, etc.
Em termos desportivos, em 4 anos, 2 títulos de Campeão Nacional, duas Taças da Liga e uma Supertaça, a que acrescem presenças em finais e boas carreiras em provas europeias (na Liga dos Campeões e Liga Europa) e uma qualidade de jogo de elevado nível, alavancada num sistema tático inovador 3X4X3 e até então pouco utilizado em Portugal.
Trata-se, portanto, de um claro caso de sucesso do clube, recaindo os maiores louros no seu treinador Ruben Amorim, mas também na Administração da SAD e em toda a estrutura do Futebol do Sporting (Formação e Competição).
Mas como foi isto possível? Onde estão as razões deste enorme sucesso?
Vamos, então, tentar encontrar explicações…
Scouting, ou seja, a montagem da equipa, através do recrutamento de jogadores profissionais, exigindo um apurado conhecimento dos mercados; de facto, quase todas as contratações foram bem-sucedidas, quase todos tiveram grandes valorizações e melhorias no seu rendimento desportivo (Gyokeres, Hjulmand, Araújo, Harder, Trincão, Morita, Diomondé, Debast e muitos outros, são disso exemplos).
Formação e articulação com a equipa B e sub-23: muitos dos jogadores transitaram da Academia, através de passagens pelas equipas dos 2 escalões inferiores (Inácio, Quenda, Bragança, Quaresma, Tiago Tomás, Nuno Mendes e muitos outros em processo de evolução)
Qualidade das equipas técnicas e articulação com o setor da Formação: evidencia-se pela recente substituição de Ruben Amorim pelo treinador da equipa B, João Pereira e restante equipa técnica. A qualidade técnica dos diversos membros secundários da equipa também é reconhecida.
Sistema tático e modelo de jogo: praticamente todas as equipas do Sporting utilizam o sistema 3X4X3, criando rotinas de jogo, independentemente dos jogadores em campo. Recordo-me de um treinador adversário dizer “o Sporting é totalmente previsível, mas muito difícil de contrariar”.
Eficiência da comunicação: É bem visível a qualidade da comunicação para o exterior, num tom pedagógico, explicativo, bem-humorado e não agressivo; a comunicação interna também revela ser muito eficiente, pelo ambiente relacional que se observa entre os intervenientes.
Qualidade e solidez da estrutura de apoio, ou seja, da parte não visível, mas de grande importância para o funcionamento do grupo (desde o setor médico, ao da Unidade de Performance, até aos equipamentos pessoais e instalações).
Lideranças: Por fim, vem a competência das lideranças políticas e técnicas, ou seja, do Presidente da Administração e do Diretor-Geral, assegurando a necessária estabilidade e coordenação de todas as “peças” do conjunto.
Claro está que para tudo isto, em 2023/24, foram necessários 246,7 milhões de €, mas, quando a parte desportiva corre bem, dinheiro faz dinheiro e, sem ele, qualquer projeto é inviável.
E o futuro?
Bom, todos sabemos que Portugal é pouco competitivo e a sua reduzida dimensão torna impossível competir com os principais clubes das 5 principais Ligas Europeias (Inglaterra, Alemanha, França, Itália e Espanha). São países muito mais ricos do que Portugal e com clubes de Futebol com grande poderio financeiro. Quais serão, então, as consequências?
Dada a excelente carreira europeia do Sporting e a visibilidade da Liga dos Campeões, antevemos uma enorme debandada dos principais jogadores do Sporting, no final da ápoca (ou até antes, em janeiro, em alguns casos). Claro está que estas receitas extraordinárias resultantes da venda de jogadores são essenciais para o equilíbrio financeiro dos clubes portugueses, mas exige uma constante renovação (ou reinvenção) – os resultados financeiros devem melhorar (com as vendas), mas os resultados desportivos devem piorar (com as saídas).
Conclusões
Penso ser possível tirarmos algumas conclusões gerais: primeiro, a excelente escola de treino desportivo que Portugal possui (em muitas modalidades); também se evidencia, num clube, a grande importância do treinador e a possibilidade de, por vezes, David vencer Golias (ainda recentemente se venceu o Manchester City).
Termino com uma declaração de interesses: sou sportinguista e ando contente com estes resultados.
Paulo Branco