Opinião
Tenho na minha memória a importância do Borda d’Água para os que governavam a vida no campo. Lembro-me que tomavam notas a lápis – ora com as lembranças e com os compromissos a realizar, ora para dar nota das boas e das menos boas colheitas. Nunca usavam a expressão má colheita, todas eram resultado da graça de Deus – com maior ou menor fortuna. O trigo ou o milho multiplicavam-se e os melhores e menos bons momentos eram criteriosamente referenciados. Anos em que a floração das plantas e das árvores era mais tardia ou serôdia, e em outros anos eram mais prematuros ou temporãos. E nos calendários tudo era anotado. Pelo S. João havia os primeiros figos, em agosto anotava-se o número de milhos-rei ou milhos-vermelhos, pelo S. Miguel tinha as vindimas, em outubro colhiam-se as romãs. E havia o varejo das amêndoas, das alfarrobas e das azeitonas – com vara e redes…. Estou a recorrer à memória, sem ter o cuidado de comprar o de 2023, que me tentaram vender junto à Caixa Agrícola da Gafanha da Boa Hora.
Recordo que dentro das folhas havia orações para as boas colheitas – a agricultura ligava-se à fé, e o espírito franciscano aí pairava numa genuína atitude ecologista, como diríamos hoje… Cada mês tem a sua especificidade, cada tempo tem o seu valor – e o culto dos campos permite compreender a natureza como natural prolongamento de nós mesmos. Mas o Borda d’Água tinha ditos e provérbios inesquecíveis: o mesmo solo que te faz cair, faz levantar-te (adágio hindu); transportai um punhado terra todos os dias e fareis uma montanha (Confúcio); quem na sopa deita vinho de velho se faz menino; à boa fome não há mau pão; dinheiro compra pão não compra gratidão; cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso. Era um não mais acabar.
Que saudades, primeiro pela idade que eu tinha nessa época e segundo pela importância que tinha para os agricultores, e hoje como vamos sabendo de tudo um pouco?
Pelo infinito mundo de influência de opinião que nos cilindram a toda a hora nas TV, rádio e páginas sociais. Hoje, todos somos folhas soltas de um Borda d’Água. Eu que respeito todos os comentadores, exceto duas dezenas deles, sou um fiel seguidor da reencarnação física, intelectual e multi-informativa que é o Luís Marques Mendes, desculpem que lhes diga, mas é para mim um Borda d’Água de bolso.
Não importa o que diz, só importa que disse algo, graças a Deus.
Assim era o original em papel.
Joaquim Plácido