Opinião
Ontem, ela subiu as escadas. Pela primeira vez, subiu as escadas sem ajuda. Colocou a mão na parede para se apoiar e, pé ante pé, subiu as escadas. Não esticou a mão, como quem pede ajuda. Não olhou para mim. Não disse “papá” como quem sabe que ainda lhe é difícil subir escadas sozinha. Empreitada quase mundana para qualquer um de nós, mas que se torna difícil para quem começou a dar os primeiros passos há seis meses.
Não pude deixar de sentir uma enorme alegria naquele momento. Alegria de a ver crescer. Alegria de a ver dar mais um pequeno grande passo, de a ver conseguir superar mais um pequeno grande desafio. Alegria assoberbada pelo sentimento comum que todos os pais partilham. “Eles crescem tão rápido. Aproveita agora”. E ela subiu sozinha as escadas, sem pedir ajuda.
Não pude deixar de pensar que esta foi a primeira vez em que subiu as escadas sozinha. E que não me pediu ajuda com um simples estender de mão. A partir de agora, já não precisa de mim para subir as escadas. E quantas mais primeiras vezes tiver, mais se afastará da necessidade de mim. Há sempre uma imensa felicidade nas primeiras vezes de uma criança. Na primeira palavra. No primeiro sorriso. No primeiro gatinhar. No primeiro passo. No primeiro acenar. No primeiro. Na primeira. Nas primeiras vezes. Mas há também uma certa nostalgia na primeira vez de uma criança. A partir de agora já não precisa de mim.
Ontem não precisou de mim para subir as escadas. Amanhã não vai precisar de mim para a adormecer, para escolher a roupa por ela, para lhe dar o almoço ou o jantar. Amanhã não vai precisar de mim para falar por ela e para se dar a conhecer ao mundo. Amanhã ela passará a ser mais do mundo e dela própria do que minha. Já eu serei sempre dela, enquanto nos quisermos muito. E eu quero.
Felizmente, ainda temos uma vida inteira de primeiras vezes pela frente.
Nuno Margarido
Jornalista