EFEMÉRIDE

O dia em que a imagem “chorou”

Candles lit in church. Warm light. Faith

EFEMÉRIDE
PROMESSAS. Corria o mês de junho de 1975. O Processo Revolucionário em Curso (PREC) confundia o país e os portugueses, mas o Santuário da Senhora de Vagos continuava a ser lugar privilegiado de oração, para os devotos que veneram a Virgem. Pequenos e grandes, jovens noivos e até crianças, todas ali iam com frequência, em constante corrupio, para cumprir suas promessas e agradecer graças concedidas.
Era o dia do Coração de Jesus, 6 de junho. Com os exames à porta, um grupo de alunos do antigo Ciclo Preparatório, resolve ir dar um passeio até à ermida. Para rezar, como o faziam multidões de crentes, ajoelhando junto das janelas rasgadas para o coberto exterior ao templo.
Segundo relato da época, de repente um aluno (vários alunos) repararam que «algo de anormal se passa». E afirmam convictos, que «a imagem se mexeu, a imagem chora».
A notícia depressa chega ao povoado, e daí a pouco já «toda a Vila e muitas outras terras vizinhas» o sabiam. Informado na hora, o prior toma conta da ocorrência. Mas prefere não tomar qualquer iniciativa, nem acompanhar a romaria de gente que se desloca ao Santuário. Seria mais tarde criticado, quanto a nós sem razão, por deixar que as coisas corressem, ao sabor da fé e convicção de cada um…
Quem compareceu foi a zeladora. Atarantada com as «exigências» da população e da vizinhança, resolveu abrir, de par em par, as portas da pequena capela. Que logo se encheu de crentes, que se precipitam pela nave do templo, até bem junto da imagem que está colocada no altar. «Fitam-na, ansiosos, esperam ver alguma coisa, muitos confirmam que chora, move os olhos, vêm-se as lágrimas, e alguém até disse que a Senhora deu um ai! doloroso», podia ler-se no Notícias de Vagos. Insuspeito, mas cauteloso, o mensário propriedade da paróquia, faz manchete na primeira página, na sua edição de junho, do acontecimento; e dedica-lhe mais duas páginas interiores, questionando o que na realidade se passa.
Os jornalistas também chegaram. Movidos pela curiosidade e ânsia informativa, queriam saber como tudo começou. Entrevistaram a zeladora, que se desdobrou em explicações, e conseguem ouvir a versão de um dos novos «videntes», morador na Quintã. No dia seguinte, as parangonas nos jornais. E de novo uma romaria de fiéis, reforçada no domingo com excursões oriundas um pouco de todo o lado, do Minho ao Algarve. Muitos continuavam a ver, outros não. E surgem então os mais díspares comentários: alguns afirmam que foi «milagre», uma «mensagem do Céu», ou até «compaixão da Mãe de Deus»; os mais céticos recorrem ao insulto, à blasfémia, à ameaça…
Dia após dia crescem as preces em coro, os cânticos e os atos de penitência, junto da imagem da Virgem, por parte de gente das mais variadas condições sociais. A resposta, ditada pela sábia lucidez do Pe. Manuel Carvalho e Silva, não podia ser outra: «Milagre e mensagem, ou alucinação? Aguardemos e colaboremos na pesquisa da verdade. Não espalhemos boato. Não sejamos crédulos. Respeitemos o lugar onde a sua imagem se venera. Emendemos a nossa vida, pois ela no-lo pediu já muitas vezes. Se ela chorou ou não, não o sabemos, mas sabemos que era de razão que chorasse pelos pecados que nós não choramos».
Alertado para as proporções que a situação estava a tomar, um professor do Ciclo recolheu, seis dias depois, alguns testemunhos junto de uma dúzia de meninos e meninas, que tinham sido protagonistas do mesmo. Levou a cabo um inquérito, durante uma das aulas, e fez apenas três perguntas: se o aluno tinha ido à Senhora de Vagos, no primeiro dia ou noutro; o que vira e sentira; e finalmente se haveria ou não milagre.

Eduardo Jaques

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