OPINIÃO

Lembrando professores da escola em tempos de Guerra – Parte II

O Cantinho de João Ferreira

Conforme prometido em março, este mês torno aos tempos de escola, versando outras histórias referentes aos meus professores do ensino primário. Tentarei também incluir alguns colegas de estudos, dos quais posso afirmar ser um dos últimos três ainda vivos, dentre João Francisco Sarabando Jr. e António Mário Pereira, meus condiscípulos.
Começamos pelo professor do meu irmão, Manuel Armando “Duque” Ferreira: Sr. Professor Feire, natural de Ovar, casado com a Sra. Júlia que regia as melodias ao sábado na escola. Este casal veio a ter como filhos, José Freire, e seguidamente Manuel Freire, este segundo, o célebre cantor do poema de António Gedeão, “Pedra Filosofal” entre outros: nascido em Vagos, quem diria?
No meu caso, tive colegas com caminhos mais humildes, como era Francisco Nunes de Oliveira, que andava na primeira classe quando eu andava já na quarta. O professor José Cândido lecionava ao mesmo tempo, 40 alunos, repartidos 25 na quarta classe e 15 na primeira. Ora este colega de sala, vive hoje em dia no lar da Santa Casa da Misericórdia de Vagos e por vezes ainda trocamos algumas palavras. A mesma sorte não a tem o Sr. Agripino da Rocha Domingues, que morreu faz alguns meses.
Seguidamente, vou referir um episódio do qual me orgulho, passado com a minha professora da terceira classe, Sra. Fernanda Pires Afreixo. Apresentava-me essa professora, às suas colegas, pares no concelho de Vagos, dizendo: “Este é o meu melhor aluno: ele vai escolher uma lição e comentá-la, sendo que onde ele se enganar bate-me a mim e não eu a ele.”. A lição que escolhi foi “A parábola de Jesus Cristo – O Bom Samaritano”, no final da lição dada por mim, um jovem de 11 anos à data (algo atrasado visto o episódio já focado com Sr. Eduardo Pericão) as pares da Sra. Afreixo murmuravam que não tinham nenhum aluno como eu.
Nessa altura da terceira classe, eu chegava à escola sempre um pouco tarde, pelo facto da minha mãe, Rosa Ferreira, trabalhar de sol-a-sol e não termos despertador. Um caso caricato foi que essa professora, que noutros dias até repartia comida connosco alunos, me disse: “Se amanhã tardares de novo, vou-te bater a sério”, e cumpriu. Tendo-me queixado à minha mãe, ela foi escola e ameaçou-a. A Sra. Afreixo tornou que eu era um ingrato por só referir os seus pontos fracos. Ela que me alimentava e ensinava, agora inteirada da minha dificuldade, fez com que dali em diante, outro aluno, passasse na minha casa a chamar-me para as aulas. Era uma professora do melhor que havia.
Vários anos antes, ainda na segunda classe, antes de largar os estudos por uma temporada, o Sr. Matos notou que tinha dificuldades a escrever a letra “F”, fruto de ir para a escola já numa idade tardia. Mesmo depois de largar os estudos, forçado, pela falta de fundos, aproximava-me da escola nas horas de recreio, saudoso de também poder brincar com os meninos que ali estudavam. Faço nota que não fui castigado nem na primeira nem segunda classe, não poderei dizer o mesmo de alguns colegas de turma, como neste exemplo de quem nem refiro por nome: esse rapaz, quando estava a ler do lado do Sr. Matos, tinha tanto medo da Cana-da-Índia, que se urinava pelos calções abaixo.
A tão temida Cana-da-Índia, marca do tempo do fascismo, era pedida a qualquer um aluno, que, do que me lembro, era sempre o primeiro a levar com ela. Tempos estes tão tristes e miseráveis que nem ponteiros de escrever nas lousas, que custavam dez centavos, se mostravam inteiros. No exame dos mesmos, a maioria dos alunos mostrava uma engenhoca que segurava menos de meio ponteiro.
Quando entrei para a primeira classe, tinha sete anos e alguns meses. Torno a referir que a Segunda Grande Guerra se tinha principiado cerca de uma semana antes. Aproveito, desta repetição, para salvaguardar o facto, de que penso já estar a assistir ao que se pode chamar de Terceira Guerra Mundial (e esta em duplicado): a Europa ajuda no que pode a Ucrânia a fazer frente ao país de tamanho continental, e do outro lado do Mar Mediterrâneo, Israel multiplica-se em ataques, apoiado pela terra do “Tio Sam”, os Estados Unidos da América.
Numa nota mais positiva, parece-me bem, que ao cabo de quase 93 anos, ainda me resta tempo de publicar pelo menos mais um livro… (Assunto que terá seguimento na edição de junho).

João dos Santos Ferreira

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