EDITORIAL
Nasci, cresci e vivo em democracia. Não consigo imaginar – nem que leia todos os livros, veja todos os filmes ou assista a todos os documentários sobre o tema – o que é viver numa ditadura, sem liberdade. Acho que só quem experienciou essa realidade sabe qual é a sua cor, como se materializa e a que cheira.
Apesar disso, sempre valorizei a liberdade – ainda que, fruto da época em que nasci, na segunda metade dos anos 80, talvez por vezes a tenha tomado como um dado adquirido, erradamente. E talvez por a valorizar tanto, e por lhe reconhecer a importância desmedida que tem, sempre me pareceu avassaladora a dicotomia entre liberdade e ditadura. Avassaladora ao ponto de me sair o ar do peito só de pensar em não ser livre. Até porque basta partir deste facto: antes do 25 de abril, a mim, mulher, não me seria permitido estar aqui, num jornal, a escrever este editorial.
Celebramos, por estes dias, os 50 anos do 25 de Abril. Da Revolução dos Cravos. Da “revolução sem sangue”. Da nossa liberdade, coletiva e individual. E se há data que sempre me comoveu foi esta. Talvez por isso, também, esteja a acontecer-me o que me acontece sempre que quero escrever para as pessoas de quem mais gosto: não sei o que escrever.
Parece-me sempre de somenos tudo o que se possa dizer sobre uma data que fala por si só. Tanto foi já escrito, tanto foi já cantado, tanto já foi recordado. E nunca é demais, atenção! Mas parece que já não há mais nada a dizer porque o importante é mesmo que o 25 de abril, a sua essência e os seus valores sejam repetidos para sempre, até à exaustão. Que nunca mais terminem de ser escritos, reescritos, cantados, recordados. Que nunca saiam de nós. Que não sejam encobertos pela poeira do tempo que passa nem calcados por contos e ditos que não acrescentam, só ofuscam. Que nunca sejam silenciados.
Espero que, este ano, as ruas se encham, mais do que nunca. Porque, mais do que nunca, é imperativo gritar “25 de abril sempre, fascismo nunca mais”. Não é cliché, nunca será. Para que, hoje e todos os dias, possamos levar a esperança do futuro ao colo e dizer com orgulho, quando nos perguntarem o que carregamos no regaço: “são cravos, senhores, são cravos!”.
Salomé Filipe
Diretora do Jornal