OPINIÃO

Um Mandela para Israel, precisa-se

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Nas minhas estantes tento que os livros descansem em paz, pelo menos até que impertinentes palavras saiam das lombadas para abanar a consciência, a sensibilidade ou a razão. (Não) sei porquê mas, na mesma prateleira, os livros de Nelson Mandela encostam-se aos de Yitzhak Rabin e, por estas semanas, a ligação ganha ainda mais significado.
Nos catecismos que também tenho em casa encontra-se uma Terra Santa que há dois mil anos falava da Palestina, da Judeia, da Galileia, da Samaria, etc. Passados tantos séculos Jerusalém é considerada cidade santa para judeus, cristãos e muçulmanos. Partilhamos muita história e agora também esta dor.
O ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro, que matou indiscriminadamente centenas de pessoas em algumas horas e mantém cerca de 200 reféns, é horrendo e não tem qualquer justificação. Os extremistas são os que berram sempre mais alto e os que têm menos razão. Nesta como em outras paragens, tenta-se embrulhar determinados projetos numa capa de zelo religioso que Deus (sim, no singular, as 3 religiões referidas são monoteístas: acreditamos que há um só Deus) não quererá aceitar.
Os dias sucedem-se com uma mortalidade desumana, mas calculada. Morrem israelitas, vítimas do terror de alucinados. Morrem palestinianos, apanhados entre fogo e vítimas de uma vingança de Estado, com má consciência e muitos anos de práticas discriminatórias.
Os israelitas merecem viver em paz. Os palestinianos merecem viver em paz. E, vivendo em paz, todos viverão melhor e terão todas as condições para reforçar os laços de irmandade e cultura comum que os unem.
Claro que na realidade a situação é difícil e dolorosa. As feridas são profundas e estão abertas. Mas a solução não é a guerra, nem o terrorismo. A solução é política e escreve-se com 3 letras: paz.
Bem sei como deve ser difícil para um político dizer o Pai Nosso até ao fim mas, ainda que não seja crente nem necessariamente um idealista, é no perdão maduro que se encontra a raíz para um novo rumo à vida.
Quem viu o filme Invictus percebe como compete às lideranças políticas construir pontes com forças antagónicas, pilares diferentes e peças que não parecem encaixar. No caso de Africa do Sul, uma nação multirracional que rompeu legalmente com o apartheid e continua a aprender formar uma comunidade inclusiva. E que vibra em uníssono com os Springboks. Às mãos de um homem que esteve 27 anos preso por um ideal político e que estendeu a mão ao inimigo.
Yitzhak Rabin, Primeiro Ministro de Israel, assinou o segundo acordo de Paz com Yasser Arafat no dia 28 de setembro de 1995. Foi assassinado por um extremista judeu 37 dias depois. Foi um daqueles dias em que o mundo andou para trás. Este crime, verdadeiramente de lesa-pátrias, também demonstra que a iniciativa política está sujeita a todo o tipo de (a)provações e que, contrariamente aos gingões de soluções rápidas e “por decreto”, as decisões têm sempre múltiplos implicados e a sua atuação, por muito injusta que seja, pode influenciar no impacto final.
No funeral de Yitzhak Rabin, com o planeta todo presente, o Rei da Jordânia, seu velho inimigo tratou-o por irmão e colega e declarou “viveste como um soldado, morreste como um combatente da paz”.
A falta que um Rabin nos faz! De forma a que as mortes não enterrem o sonho bem real da paz. No caso de Mandela era preciso unir uma nação e no caso de Israel é encontrar o caminho para que duas possam coexistir. Que apareça um(a) estadista capaz de fazer história, mesmo que com isso não abra os telejornais, para estancar o sangue, a raiva, a insegurança, frustração e a intolerância.
Sabemos que mesmo que tudo corra bem, não será no imediato que se secam as lágrimas e que passa a haver confiança. Será sempre um processo feito por homens e mulheres, com avanços e recuos, (e muitas vezes é a falta de resultados diretos na vida das pessoas que leva a novas desconfianças e ressentimentos) mas é preciso que comece de forma determinada.
Lutar pela paz pode ser uma luta de vida ou morte mas é a única solução de vida.

Óscar Gaspar
Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Santa Casa da Misericórdia de Vagos

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