Ainda que na edição anterior tenha dito que ia falar sobre a Rua Padre Vicente Maria da Rocha, esse tema ficará para ocasião mais oportuna pois tenho outro assunto em mente: desta vez vou debruçar-me sobre o tempo passado, no qual proliferavam as “Cegadas” que eram de grande entretenimento para a população desse tempo, quando não havia ainda a diversão da TV, que viria a aparecer em Portugal pelo fim dos anos 50. As “Cegadas” são pequenas peças de teatro do tempo da Segunda Grande Guerra, em tom dramático sobre temas variados, na sua maioria inspiradas em casos verdadeiros. Vamos começar com um caso real desses tempos sombrios que se chamava “O Racionamento”: uma peça da autoria do já falecido Sr. José Mateus de Almeida Jr., na qual atuavam familiares e amigos dos quais destaco, os Srs. Américo Mateus, Abel Mateus, José Santo e António “Pedrogo” (já todos falecidos, pois na altura ainda eu não tinha ainda dez anos).
N’“O Racionamento”, a dada altura, cantava-se assim: “Racionamento, foge de mim / Oh que tormento, viver assim / Se continuas… o caso é sério / E enchem-se as ruas do cemitério”. Depois entravam personagens no papel do “A Candonga” e outro d’“O Mercado Negro”. O que fazia de “Candonga” ia bem vestido e de brincos, com um travesseiro a fazer de barriga, acompanhado pelo “Mercado Negro”, que cantava assim: “Eu sou o Mercado Negro / Que vivo ‘à barba longa’/ Com todas as faltas me alegro / Minha esposa a Candonga! // A fome a mim não me assusta / E vou cantado cantiga / Quando o povo barafusta / Eu à sua custa / Encho a minha barriga!”. Além desta “Cegada”, haviam outras, das quais faço exemplo “O bom e o mau Ladrão” onde participavam três pessoas que já faleceram também, mas aqui são recordadas: Sr. Domingos Sarabando no papel de “O bom ladrão”, Sr. Alberto dos Santos no papel de “O mau ladrão”, e no papel de pai de ambos, Sr. Alfredo “da Pescada”.
Nesta segunda cegada, versa-se a estória de um pai que era assaltado por um dos filhos, mas defendido pelo outro. O velho, amparava-se a uma bengala e cantava em alta voz: “Amparado ao meu bordão / Vacilo a cada segundo / Pode muito o coração / Que ao peso desta paixão / Vai até ao fim do mundo.”, na continuação o bom ladrão dizia: “Tenho vindo a mendigar / Sempre de porta em porta / Mas quando estendo a mão / Na esmola que dão não creio / Pois sou por toda a gente / Olhado com receio.” Ao que o mau ladrão tornava: “Todos têm o seu ‘sport’ / às vezes arriscado / Mas o meu ‘sport’ é outro / Dá-me mais resultado! // Arrisco-me a perder / A própria liberdade / Mas neste meu escapar / Mostro facilidade.”. Aquando do mau assaltar o próprio pai, surge a questão pelo seu comparsa “o bom” filho, sempre em verso: “Venha daí meu pai / Com a gente viver”, ao que o pai responde: “Cumpri a minha missão / Só me resta morrer”, caindo no palco que era o largo.
Até eu, João dos Santos Ferreira, fiz uma “cegada” sobre o caso de uma passagem à qual dei o nome de “O Cadeado”. E versa assim, sobre assunto verdadeiro passado em 73, na Carvalheira: “A história que vou contar / E faço agora de qualquer maneira / Acabou por ter lugar / Na aldeia da carvalheira // Dois irmãos tinham comprado / Um terreno nesse lugar / E logo um homem malvado / Qui-lo com eles disputar // Terreno que eles compraram / Tinha uma bela passagem / Mas a mesma foi impedida / Por não quererem prestar vassalagem // É que esse homem que era / Uma espécie de malvado / Colocou na passagem / Um valente cadeado” À dada situação um dos donos inquiria: “Saberás tu que na passagem / Já lá temos um cadeado? / Não me digas tu tal coisa que eu não creio! Andará esse homem tresloucado?” E ao repararem que: “O cadeado lá está / É certo bem o estou a ver /Agora meu irmão diz-me tu cá / Sobre esse assunto que vamos nós fazer /Foste tu à guarda ou ao advogado / Ao advogado eu fui verdade é / E que disse ele que fizesses? / Que cortasse o cadeado, mas com gente ao pé.” E dava-se a cantoria: “Corta meu irmão corta /E corta sem qualquer medo / Porque esse homem danado / Há de vir a perder cedo” e terminava da seguinte maneira “A verdade é que a razão sempre triunfam / Caridade é um vilão: só faz maldade / Mas haverá um dia quem lhe corte a “trunfa” / E então deixará de ser o Caridade!”. Sobre este assunto termino dizendo que neste momento só se encontra vivo o Sr. Júlio de Sousa Almeida o qual se encontra na foto e era autor da música em clarinete nas partes cantadas da minha “cegada”: “O Cadeado”.
João dos Santos Ferreira