Opinião
Em 1965 era preciso ter 7 anos feitos para entrar na escola. Eu tinha acabado de fazer 6 anos e estava ansiosa por aprender a ler. Os meus pais, em conivência com os meus tios – que eram professores – resolveram fazer uma marosca (espero que este “crime” já tenha prescrito, não quero ter problemas agora). Então fui “matriculada” na escola da minha tia, em Vale de Cambra, para depois ser “transferida” para a de Vagos. Estive uns quinze dias mais ou menos enclausurada em casa, para que as vizinhas não me vissem – principalmente aquelas cujas filhas não tinham entrado por não terem ainda a idade exigida -, já que era suposto estar noutra escola, à espera da “transferência”.
Por isso, o meu primeiro dia de escola deu-se quando as outras crianças já se conheciam, já tinham feito as suas amizades e até já sabiam o a-e-i-o-u. Eu não sabia nada e não conhecia ninguém. Daquela gente toda, só conhecia a Clara porque éramos vizinhas e brincávamos em casa uma da outra, desde muito tenra idade.
Desse dia, ainda consigo “ver” a minha mãe entrar na escola (que funcionava onde agora é a Biblioteca Municipal de Vagos) e levar-me até à sala de aula. As carteiras eram daquelas de madeira, com o tampo inclinado e de uma peça só, com tinteiros incluídos. Escrevia-se com penas molhadas na tinta, mas na primeira classe só me lembro de escrever com um ponteiro numa lousa de xisto. Quando era preciso apagar, cuspíamos na lousa e esfregávamos depois com cuspe!
As meninas estavam sentadinhas em fila, de bata branca vestida. Também me lembro da minha bata, imaculadamente branca e com o meu nome bordado a ponto pé-de-flor. Era linda! A professora, D. Lucília, agarrou-me na mão e tentou que eu me sentasse numa carteira. Eu desatei numa choradeira, afinal não queria ficar. Logo eu, que todos os dias chateava os meus pais a perguntar “quando é que vou para a escola?”.
Não me lembro dos pormenores, mas sei que esta birra durou algum tempo e que todas as meninas estavam a olhar para mim.
Por fim, lá acedi a ficar, mas exigi sentar-me na carteira da Clara (as carteiras tinham dois lugares). A professora mandou sair a menina que estava com ela e sentou-me lá a mim. Devo ter-me acalmado porque não me lembro de mais nada desse dia.
Dos dias posteriores lembro-me de levar algumas reguadas porque o ponteiro “chiava” na lousa. Também me lembro de ter ouvido muitas vezes a professora dizer: “Margarida e Clara, venham cá!”. E nós lá íamos levar mais uma reguada.
Agora, com esta distância temporal, eu percebo que não queria lá ficar porque já sabia que nunca mais sairia da escola. Até hoje…
Margarida Laranjeira
Professora