Editorial
Há poucos dias, em conversa com amigos após uma entrevista que fiz, constava o óbvio – que não é por ser óbvio que deixa de indignar: continuamos a não valorizar o que é nosso. Os nossos – seja o nosso país, a nossa terra ou a nossa empresa, por exemplo – são, muitas vezes, os últimos a valorizar-nos. Não sei se isto está no sangue português, ou se o ser humano é assim no geral. Mas o certo é que continua a ser uma realidade.
Há uma tendência crescente, desde há alguns anos, para se tentar valorizar, cada vez mais, produtos com origem em Portugal. Certifica-se queijo, azeite e ovos moles. Depois, acena-se aos clientes com o selo “made in Portugal”, seja nas roupas, nos bikinis ou no calçado. E, na verdade, parecem existir cada vez mais consumidores preocupados em adquirir produtos e serviços cem por cento portugueses, de forma a impulsionarem a nossa economia. Mas, depois, apostamos assim tanto nas nossas pessoas? Não. A realidade é que não apostamos.
A emigração não é, de todo, o único exemplo da falta de aposta no que é “nosso”, mas é, talvez, a mais flagrante. Somos um povo de emigrantes há décadas e, em pleno 2023, continuamos a sê-lo. Se é certo que já houve épocas em que os números da emigração foram mais altos do que aqueles que se registam atualmente, isso não significa que, hoje em dia, não continuem a sair de Portugal, todos os dias, portugueses em busca de uma vida melhor, deixando para trás um país que não os valorizou.
São esses mesmos portugueses que, chegado o verão, regressam. Não tarda, em julho ou agosto, estão aí. E mesmo que muitas vezes sejam olhados com desdém e rotulados de uma forma pejorativa, são os primeiros a chegarem e a suspirarem com o nosso sol, as nossas praias e as nossas planícies, ao mesmo tempo que aconchegam a alma numa fatia de broa com uma sardinha assada.
São esses mesmos portugueses, muitos deles, que “lá fora”, durante os restantes 11 meses do ano, são vistos pelos patrões estrangeiros como o melhor servente, o melhor engenheiro, o melhor enfermeiro ou a melhor empregada de limpeza. São nossos, tão “made in Portugal” como os sapatos que veem à venda numa loja em França e que os fazem dizer ao vendedor, com orgulho: “isto é feito no meu país”. Num país seu, que os deixou ir. Abracemo-los, pelo menos, quando regressarem.
Salomé Filipe
Diretora do Jornal