Quando começou a ser noticiado que o horário da Feira do Livro de Lisboa ia ser alterado drasticamente devido à hipótese de o Benfica se sagrar campeão, pensei que estava a ler um artigo do Inimigo Público, onde se escrevem “notícias” satíricas, em jeito de piada. Mas não estava. Afinal, era mesmo verdade – pelo menos, à hora do fecho desta edição do Eco de Vagos, ainda não havia vislumbres de existir bom senso para voltar atrás com decisão. Que decisão? A que “alguém” tomou (sabe-se que a ordem veio da PSP), ao determinar o encerramento antecipado da Feira do Livro, às 17 horas, no dia de sábado, na eventualidade (muito provável, é certo) de o Benfica se sagrar campeão nacional naquele dia, no jogo da última jornada do campeonato, com início agendado para as 18 horas. Ora bem, e o que é que alhos têm a ver com bugalhos, questionam os caros leitores? Pois bem, no meu entender: nada.
A história é toda tão má, que nem sei por onde começar. Em primeiro lugar, mais uma vez, a cultura sai a perder, em detrimento de outra coisa – futebol, neste caso (não estando eu com isto a querer tirar o mérito ao desporto-rei). Como se a cultura já não tivesse demasiadas vezes no papel de enteado, num país madrasto chamado Portugal.
Depois, é necessário sublinhar que a Feira do Livro de Lisboa já estava agendada – e devidamente autorizada – há vários meses, muito antes dos imprevistos na decisão do campeonato nacional de futebol.
Pelo meio, realçar que antecipar o encerramento da feira para as 17 horas – num dia que estava previsto fechar às 23 – obrigou ao cancelamento, ou reprogramento, de 155 eventos, que estavam marcados para aquela janela temporal. Há compromissos, assumidos por editoras, autores e livreiros, entre outros, que não vão ser cumpridos. Depois, há receitas – na ordem, certamente dos milhares de euros – que não vão ser encaixadas por quem tem os seus negócios na feira e que esperava um dia lucrativo, como são, habitualmente, os sábados. Há forma de ressarcir os lesados? Duvido.
Por último, há amantes da literatura que já tinham agendado deslocar-se à capital naquele dia, alguns de pontos longínquos do país, que se verão privados de seis horas de evento. Não sei qual dos pontos é pior, mas são todos demasiado maus.
No meio disto tudo, custa-me que se assuma à partida que, num país civilizado – com cidadãos igualmente civilizados e habituados a viver em sociedade –, os festejos pelo título de um campeonato de futebol inviabilizam a concretização de outro evento na mesma cidade.
O desporto é necessário (ainda que o fanatismo não o seja). Mas a cultura também o é. E muito. Não metamos nos pratos da balança se trabalhar os glúteos é mais importante do que exercitar a imaginação e trabalhar o pensamento crítico. Não creio que a discussão seja por aí. A discussão, para mim, é que a cultura sai sempre a perder. Uma, outra e outra vez, o desfecho da história, venha o livro que vier, é sempre o mesmo. Fatídico.
Salomé Filipe
Diretora do Jornal