Opinião
Portugal construiu o Estado Social assente no Serviço Nacional de Saúde, na educação e na segurança social, prestando menos atenção à habitação. Nesta área, a ação do Estado centrou-se mais nas situações de carência habitacional, não intervindo na resposta habitacional para as classes médias e em jovens famílias e no seu projeto de vida.
Eventos recentes agravaram esta situação. O aumento do investimento privado e de serviços na área do turismo produziu uma subida dos preços da habitação e do valor das rendas. A pandemia veio impactar na forma como nos relacionamos com o espaço. A guerra na Ucrânia colocou ainda mais pressão sobre a economia. Tudo resultou numa destabilização dos mercados, o aumento da inflação e dos custos de vida.
Por isso, assistimos a uma pressão crescente da sociedade civil, com manifestações pelo acesso à habitação nos vários países do mundo e por toda a Europa.
Assim, os desafios que se colocam ao acesso à habitação são tremendos, exigem medidas públicas inovadoras, caso contrário não surtem o efeito pretendido, pois inserem-se num contexto que inclui um mercado privado difícil de controlar.
O Governo atual foi o primeiro em 40 anos de democracia apresentar uma proposta robusta para procurar melhorar as condições do mercado da habitação. Já foi alvo de consulta pública e será agora discutida no parlamento. É um complexo pacote de medidas que propõe:
i) aumentar a oferta de imóveis para habitação, permitindo a conversão do uso de espaços de comércio em uso habitacional e usar terrenos públicos para projetos de arrendamento acessível.
ii) simplificar os processos de licenciamento, para que as entidades públicas não se atrasem a emitir licenças.
iii) aumentar casas no mercado de arrendamento, garantindo a senhorios o pagamento adiantado de rendas e de rendas em atraso, dando dinheiro aos municípios para obras, isentando o IRS sobre mais valias na venda de imóveis aos Estado, dando incentivos fiscais ao arrendamento acessível.
Aqui também se inclui uma medida menos nova, sobre a qual direi um pouco mais, por ser a única referida pela oposição ao Governo: o arrendamento forçado de apenas alguns tipos de habitações abandonadas há 3 anos. É algo que já existe há muitos anos no regime geral de urbanização e de edificação, que prevê a posse administrativa para efeitos de reabilitação e o arrendamento forçado, e existe também na lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e do urbanismo, que diz o seguinte: “os edifícios e as frações autónomas, objeto de ação de reabilitação podem ser sujeitos a arrendamento forçado nos casos e nos termos previstos na lei”. Esta é uma lei da altura do primeiro-ministro Passos Coelho, promulgada pelo ex-presidente Cavaco Silva – e esta, hein?
iv) combater a especulação, garantindo um arrendamento mais justo em novos contratos de arrendamento e o fim dos chamados “vistos gold”.
v) proteger as famílias mais vulneráveis, oferecendo um apoio extraordinário ao pagamento de rendas, protegendo inquilinos mais antigos e apoio na prestação do crédito à habitação.
Os senhorios dizem que a proposta beneficia demasiado os inquilinos e os inquilinos dizem que a proposta beneficia demasiado os senhorios; o PSD é contra tudo, focado na sua competição com a extrema-direita. Tudo indicadores de como este pacote de medidas que começará agora a ser discutido no parlamento é, afinal, um equilibrado ponto de partida.
Naturalmente, os seus detalhes poderão ser ajustados no parlamento e, depois, ao longo da sua implementação. É sobretudo um passo importante e corajoso, orientado para a resolução de um problema, em vez de fazer de conta que ele não existe.
Bruno Julião
Deputado do Grupo Municipal do PS na Assembleia Municipal de Vagos