Editorial
É uma música, intitula-se “Liberdade”, data de 1974 – como não poderia deixar de ser – e é da autoria de Sérgio Godinho. Nela deixa-se claro o que o povo precisa: “a paz, o pão, habitação, saúde, educação”. Independentemente das escolhas políticas de cada um, será inegável para todos que, efetivamente, esses são princípios basilares para a dignidade do ser humano. Não podem falhar. Mas não falharão?
Comecemos pelo que (pelo menos de uma forma geral) está bem. A educação pública em Portugal dá frutos, é qualificada e serve os interesses da população. No setor da saúde, que umas vezes vai melhor e outras pior, ainda podemos contar com um nobre Serviço Nacional de Saúde, ao qual muitos apontamos falhas imensas – que é certo que as tem –, mas que deveríamos todos valorizar.
Passemos agora ao que começa a descambar (e ao que já descambou mesmo). A paz, neste país à beira-mar plantado, ainda é uma realidade da qual nos podemos orgulhar, apesar do fantasma que paira sobre todos os europeus, desde o início do ano, com o conflito entre a Ucrânia e a Rússia sem fim à vista. Que não nos falte nunca. Só que o “pão” e a “habitação” já conheceram dias (muito) melhores.
Não terão passadas despercebidas as notícias dos últimos dias sobre os alarmes que foram colocados em bens alimentares, em alguns supermercados. Latas de atum, garrafas de azeite e embalagens de bacalhau têm, agora, um mecanismo eletrónico acoplado, na tentativa de evitar furtos. Só que mais do que notícias sobre o inédito da situação – eu, pelo menos, confesso que nunca me tinha deparado com tal realidade –, isto obriga a uma análise profunda da sociedade (civil e política) sobre o que está a acontecer. Haverá aqui algum empolar da situação por parte das cadeias de hipermercados? Ou o aumento de furtos é, efetivamente, uma realidade atual? Se é: o que está a causar esse aumento? Não será fome? É urgente o debate.
Por outro lado, vem a habitação. Não se trata de um problema novo, mas a discussão tem-se intensificado nos últimos anos, pois aceder a uma habitação condigna é cada vez mais difícil para uma grande parte dos agregados familiares portugueses. E a Lei de Bases da Habitação, em conformidade com o artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, é clara: “Todos têm direito à habitação, para si e para a sua família, independentemente da ascendência ou origem étnica, sexo, língua, território de origem, nacionalidade, religião, crença, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, género, orientação sexual, deficiência ou condição de saúde”.
Pela lei, ninguém é deixado de fora. Mas, na prática, as desigualdades no campo da habitação estão a tomar proporções gigantes. E os decisores políticos, cientes do problema, tentam encontrar soluções. Veja-se o caso de Vagos, onde a Câmara está a adquirir imóveis, para implementar o “Programa de Apoio ao Acesso à Habitação”. Que sejam concretizadas medidas neste sentido. Afinal, liberdade não é só o título do que conquistámos há 48 anos. Liberdade é (muito) ter “a paz, o pão, habitação, saúde, educação”.
Salomé Filipe
Diretora do Jornal