A proposta de Orçamento do Estado para 2023 (OE23), em discussão na Assembleia da República, sem prejuízo das alterações que, a seu benefício, lhe possam ainda vir a ser introduzidas, permite que, desde já, sobre ele se diga tratar-se de um documento ponderado e sensato, capaz de responder com equilíbrio, previsibilidade e confiança aos tempos de incerteza que a conjuntura externa parece desenhar para o próximo ano.
Comecemos por recordar que, este ano, de acordo com as previsões da Comissão Europeia, confirmando as previsões do Governo e emudecendo os sempiternos “velhos do Restelo”, Portugal virá mesmo a ser o país da União com a maior taxa de crescimento da UE, recuperando e superando o PIB ao pré-pandemia e, por via desse crescimento acima da média europeia, retomando o processo de convergência com a Europa, iniciado em 2015, só interrompido com a pandemia. É elucidativo que, aqui ao lado, por exemplo, Espanha ainda não conseguiu recuperar dos níveis pré-pandemia e, segundo as últimas previsões do FMI, não logrará fazê-lo senão em meados de 2024…
Não podemos, contudo, desconsiderar que todos os cenários para 2023 apontam para um aumento do risco de recessão no conjunto dos países da área do Euro, originados ou agravados pela situação na Ucrânia. A continuação da guerra significará, assim, um risco no sentido descendente para a atividade económica e ascendente para a inflação. Ainda assim, num cenário adverso, aqueles que prognosticam uma recessão em 2023 para a Alemanha ou Itália, são também os mesmos que antecipam que Portugal, ainda que mais moderadamente do que em 2022, continuará a crescer acima da média europeia, prosseguindo a trajetória de convergência europeia.
Por isso, o propósito do OE23 de prosseguir na trajetória de redução da dívida pública, com o objetivo de retirar Portugal do grupo das economias europeias mais endividadas, não pode senão ser sublinhado e aplaudido. Graças a isso, a diferença entre as taxas de juro implícitas da Alemanha e Portugal é, já hoje, menos de metade das custeadas por Itália e cerca de 50 pontos base abaixo de Espanha, permitindo, além da repercussão na economia em geral, a libertação de recursos escassos para fins socialmente mais úteis do que o pagamento de juros.
A elevada incerteza e volatilidade dos cenários previstos para 2023 recomendam, pois, vivamente um OE que propicie ao país estabilidade, confiança e compromisso. Estabilidade porque apoiará a economia na resposta à alta da inflação; confiança porque olha para a incerteza do futuro sabendo que investe bem no presente; e compromisso porque defende a justiça social e continuará a promover o crescimento.
Note-se, desde logo, que o OE23 enquadra e suporta as medidas previstas no Acordo de Concertação Social de Melhoria de Rendimentos, Salários e Competitividade 2022-2026 – recentemente assinado por todos os parceiros sociais, à exceção da CGTP -, o qual prevê uma subida do peso dos salários ao longo da vigência do acordo. No primeiro ano, um crescimento de 5,1%, mas nos anos seguintes valores que se preveem superiores aos da taxa de inflação desse ano, ou seja, no conjunto do período sobre o qual o Acordo incide, o diferencial dos ganhos salariais será significativamente acima do cenário da inflação. Se a isso fizermos acrescer a redução transversal do IRS, com a atualização dos escalões e a diminuição em dois pontos percentuais da taxa de imposto relativamente ao 2º escalão, com repercussão nos restantes escalões, e a reformulação do mínimo de existência, tudo isso convergirá para que os aumentos brutos se venham a traduzir sempre em aumentos líquidos de rendimentos.
Perpassa, no OE23, a preocupação em proteger melhor os mais baixos rendimentos e as famílias mais vulneráveis, através de medidas fiscais, prestações sociais e diferenciação dos aumentos salariais, do mesmo modo que, ao nível das empresas, a diferenciação do IRC e outras medidas fiscais de apoio, assim como outros instrumentos de intervenção na economia (como os que incidirão sobre os custos da energia), permite atestar também uma preocupação com a proteção do setor. E vale a pena sublinhar que Portugal manterá em 2023 níveis de desemprego historicamente baixos.
Finalmente, como o Ministro das Finanças teve já a oportunidade de deixar claro, na eventualidade – que a incerteza dos tempos que vivemos não permite descartar – de nos virmos a deparar em 2023 com um cenário mais adverso do que o antecipado, a trajetória de redução da dívida e do défice poderá permitir ao Estado dispor, se necessário, de margem para uma política orçamental anti cíclica.
Em suma, com ponderação e sensatez, conciliando Estado Social e sustentabilidade das Finanças Públicas, e consciente dos riscos para o cenário macroeconómico aduzidos pela conjuntura internacional, o OE23 permite-nos confiar na prossecução, em 2023, do processo de recuperação económica e social, de redução da dívida pública e de convergência com a União Europeia, rumo a um Portugal melhor e mais justo.
Filipe Neto Brandão
Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, eleito pelo círculo eleitoral de Aveiro