Num mundo contemporâneo recheado de bens materiais, avanços tecnológicos, comodismos, acessibilidades e recursos de todos os géneros, parece estranho o título desta rúbrica. Vivemos no mundo do excesso, da exaltação do homem como dono e senhor de si, autossuficiente e capaz de tudo, mas que arrogante e soberbamente se esqueceu do seu Criador do qual lhe provém tudo aquilo que julga possuir. Na verdade, nada nos pertence. Mais cedo ou mais tarde, tudo o que temos será deixado. Até mesmo o corpo que reclamamos como nossa propriedade, e que a muitos serve de estandarte para frases como «meu corpo minhas regras» para daí justificarem e cometerem todo o tipo de crimes e abominações (como o aborto, por exemplo), até mesmo esse será deixado à terra. Nada possuímos. À hora da morte, a nossa alma será de tudo despojada e apenas levará consigo as boas obras que tiver praticado.
A eternidade dependerá, então, da união que tivemos com Deus durante a vida terrena, uma união que se constrói pela via da oração, que é o alimento da alma, o colóquio íntimo, profundo e constante que o nosso ser estabelece com Deus; a frequência dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da Penitência (Confissão ou Reconciliação) que são o remédio e a força para a nossa fragilidade própria de criaturas; e o amor ao próximo vivido de forma concreta nas obras de misericórdia corporais e espirituais. No fundo, como nos pede Jesus: «amar a Deus e ao próximo como a si mesmo».
De facto, Deus é amor e quer o bem dos seus filhos. Infelizmente, muitos que ainda não o conhecem têm uma imagem d’Ele distorcida, limitando-o a um ser castrador da nossa liberdade e que nos impõe regras para tudo e qualquer coisa. É uma ideia completamente oposta à identidade de Deus e ao que ele quer para nós. Deus fez-nos para sermos felizes na eternidade, isto é, para sermos santos. Para tal, as diretrizes/mandamentos que nos traçou são pedagógicas, servem para amarmos mais, para sermos melhores, para atingirmos a santidade que é a nossa vocação comum, ou seja, aquilo a que todos somos chamados.
Deus sabe, que o pecado conduz à infelicidade, à dor e à perdição. Deus conhece a nossa fragilidade. Quando um bom pai ou uma boa mãe aconselham os filhos e os advertem dos perigos e das consequências das suas más ações (embora os mesmos nem sempre os ouçam ou relativizem a sua voz), estão objetivamente a querer o seu bem, para que não sofram. Ora, estes pais são figura/representação do Pai Eterno que do mesmo modo ensina e adverte os seus filhos para que não se percam.
Quando Deus pede que o amemos acima de todas as coisas, que guardemos o domingo e os dias santos para estar mais intimamente com Ele, que honremos os nossos pais, que não matemos, roubemos ou pequemos contra a castidade, entre outros bons e preciosos conselhos, está a cuidar de nós, a preocupar-se seriamente connosco. Está a dizer-me a mim e a ti que lês: «filho(a), não quero que sofras nem te magoes, não faças isso; vai antes por aqui, caminha Comigo».
Infelizmente, a esmagadora maioria da nossa sociedade atual esqueceu tudo isto, vive como se não tivesse Deus, órfã e abandonada aos encantos duma vida mascarada de felicidade, mas que na prática, nunca fez uma geração tão deprimida quanto a nossa (veja-se, por exemplo, o consumo de antidepressivos em Portugal). Estamos em crise, uma grande crise de fé que se repercute em todas as dimensões humanas e sociais.
Esta crise, que muitos tão anestesiados nem chegam a notar, tem-se vindo a acentuar nas últimas décadas. Passámos de uma geração centrada em Deus para outra centrada no homem e no seu egoísmo. Não é preciso recuarmos muito no tempo para notarmos esta diferença. Basta comparar a fé dos nossos avós (ou da sua geração) com a nossa fé. É admirável notar como uma geração tão provada na vida, com tão poucos recursos e maioritariamente analfabeta era tão fiel e conhecedora da sua própria religião.
Hoje, a grande maioria desta geração, letrada e com todos os recursos à disposição é ignorante do ponto de vista religioso. Muitos se dizem cristãos e não conhecem a própria fé que professam. Como se pode amar aquilo que não se conhece? Ou como se pode falar e opinar sem conhecimento de causa? A religião é um tema que todos falam, mas que poucos conhecem. Arrisco-me a dizer, em tom de lamento, que a fé que ainda guardamos é um resquício daquilo que nos ficou dos nossos avós.
Todos nós, uns mais que outros, contribuímos para o agudizar desta situação. Porém, está também ao nosso alcance, com a graça divina, reverter este estado. Não é preciso mudar o mundo; se nos mudarmos a nós próprios já fizemos muito… o resto virá por acréscimo e influência. Fazem falta homens e mulheres fiéis à sua vocação, conhecedores e defensores da fé que professam e que devem transmitir.
Torna-se fundamental no quotidiano da vida expressar em palavras, obras, atitudes, valores e opiniões públicas a fé católica. Como nos diz Jesus em Mt 10, 32: «todo aquele que se declarar por Mim diante dos homens, também Eu me declararei por ele diante do meu Pai que está nos Céus». Para isso é preciso estudar a nossa fé para então conhecer a Verdade. Não a suposta “verdade” que o mundo oferece ou aquela que até alguns católicos por ignorância pregam como “verdade”, desvirtuando a fé, as palavras de Jesus, dos Papas e dos Santos com falsas conceções doutrinais derivadas de erros interpretativos que tanto lesam a comunidade dos crentes.
Existem, por exemplo, ideologias sociais, “humanitárias” e políticas que não são compatíveis com a fé católica; ou espiritualidades, “terapias” e formas de meditação, pertencentes sobretudo ao chamado movimento «new age» muito em voga nos dias de hoje, totalmente antagónicas e desaconselhadas para um católico. Não vale tudo. Estes são apenas alguns erros, entre tantos outros, que se podem prevenir com estudo e oração.
Portanto, aos que estão com Deus e no seu caminho: ânimo, humildade e perseverança. Aos que estão perdidos, deixai-vos encontrar por Ele que é a resposta aos anseios do vosso coração, pois nada há neste mundo que nos possa preencher senão Deus que nos criou e ama como ninguém. Como exclamava Santo Agostinho, convertido depois de uma vida pecaminosa, também nós possamos dizer com ele: «fizeste-nos, Senhor, para Ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto em Ti não repousar».
Luís Ramos
Seminarista no Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição do Porto