O CANTINHO DE JOÃO FERREIRA
Com a revista “Sábado”, há tempos, vinha uma outra revista que se referia a “Memórias de Portugal-DOIS SÉCULOS DE FOTOGRAFIA-GRANDES TRADIÇÕES” onde veem publicadas coisas do povo, referindo rituais do nosso imaginário. A revista da autoria de HELENA VIEGAS tem prefácio de Guilherme d’Oliveira Martins, com quem eu tive o prazer de estar, no edifício da antiga Câmara Municipal de Vagos, quando os jovens vaguenses, João Santiago, Natália Martins e Fausto Almeida,(este falecido) tinham sido “obreiros” de um monumento, em honra do escritor vaguense João Grave, que esteve inicialmente defronte do quartel dos Bombeiros Voluntários de Vagos e passou, mais tarde para o largo da Biblioteca Municipal onde se encontra. Diz no prefácio dessa revista, que “A coleção “Memória de Portugal” corresponde ˆ necessidade de conhecermos melhor a história portuguesa dos dois últimos séculos”.
Não é, porém, minha ideia referir-me ao livro na sua totalidade, embora este tenha coisas extremamente interessantes, mas, acrescentar algo que a maior parte dos leitores do “Eco de Vagos” desconhecem, que são igualmente importantes e fazem também parte da tradição.
Quem se recordar da Semana Santa, em Vagos, que se iniciava com a “Quinta Feira de Endoenças, Sexta Feira da Paixão, Sábado de Aleluia e Domingo da Ressurreição”? Quem se lembrar do “lava pés”, a imitar o que se passava mais de dois mil anos antes e quem se lembrar do que se fazia com as matracas de madeira ou dos cânticos pelo sr. Mário Vasconcelos, filho da Professora D. Isabel? E quem se lembrar hoje de quando em 1 de novembro se ia “pedir os fiéizinhos, pelas alminhas de quem tem lá no outro mundo”? Se nos davam alguma coisa nós pedintes agradecíamos, mas se não davam dizíamos: “Esta casa cheira a unto, aqui mora algum defunto”. Ou “esta casa cheira ao breu, aqui mora algum judeu”.
No dia 1 de novembro, “Dia de Todos os Santos”, em Vagos realizava-se a procissão até ao cemitério que, por esse tempo também acolhia os mortos da Gafanha da Boa Hora e as campas eram praticamente todas de areia, sem jazigos e tinham nesse dia velas a alumiar a alma dos falecidos. E quando, no final ainda havia um resto de cera a garotada levava-a para fazer uma bola com esses cotos.
Pela Páscoa, quando o pároco ia dar o “Senhor a beijar pelas casas” dos paroquianos a garotada esperava, em ânsias, pelo momento em que os donos das moradias lhes atiravam amêndoas rebatinha.
Havia também, no sábado anterior a “Queima de Judas”, em que mais tarde até era queimado um fantoche de pano, com bombas a simbolizar uma pessoa de Vagos que não se portava muito bem.
Recordo uma figura que, em tempos foi “queimada” a servir de Judas e que até falei nela no “Eco de Vagos” quando era eu o proprietário, que era assim: “Figura pequenina de parlapatão saltitante avesso a árbitros bons ou maus”. Havia também a tradição da “matança do porco” em que após esta era uma noite de festa e depois se faziam chouriços com as tripas e carne e morcela com sangue e se punham ao fumeiro para curar e se iam comendo durante o ano. O sarrabulho era distribuído em malgas e depois os ou as que o recebiam, quando matavam também o porco distribuíam também malgas com sarrabulho por quem lhes tinha dado a malga na altura em que matou o porco.
Em Vagos estou a recordar também a “quinta feira da Ascensão”, quando o povo dizia: “Se os passarinhos soubessem/ quando é dia da Ascensão/não punham o pé no ninho/ nem o biquinho no chão”. E como estou a referir-me a tradições e a escrever sobre Vagos, não ficará mal lembrar também um pouco o Carnaval, quando se cantavam, antigamente acerca deste: “No dia de entrudo, como em outro dia/Vagos mostra em tudo/ a sua alegria/ mostram as crianças/ ao ir para a escola/ como aves mansas fora da gaiola”. Era isso no tempo das “cegadas”, que se representavam ao ar livre e o povo contribua com alguns tostões para os autores e os atores que representavam casos interessantes, como o do “bom” e do “mau ladrão”, em que um ia para assaltar e outro defendeu e afinal eram “pai e dois filhos”. Isso é que eram tempos que não voltam mais.
Em Vale de Ílhavo, de onde o autor é natural, também o Carnaval era bem organizado com o que se chamava os “cardadores”, que eram figuras típicas que ficaram do passado até hoje.
João dos Santos Ferreira